Em meio à conversa com Audite, sem interromper o raciocínio e num gesto quase automático, o Alfaiate lançou o olhar através da vitrine da loja, de onde se avistava a Praça dos Andradas. De repente, o olhar desfocado e panorâmico deteve-se num ponto fixo.
- Há algo interessante passando-se lá fora...
Curiosa com a observação, Audite levantou-se e rapidamente aproximou-se da vitrine, voltando-se para o mesmo lado da mirada do Alfaiate, buscando identificar o foco de interesse.
- Está a ver?
Logo percebeu. Duas pessoas atravessando a rua São Leopoldo em direção à praça. Não poderia ser outra coisa. Uma das pessoas, um homem de meia idade, sem nada que pudesse chamar a atenção. Caminhando ao lado desse, o outro, entretanto, vestia um traje de épocas passadas, seguramente do período imperial. Procurou confirmar a impressão com o Alfaiate:
- Com o seu conhecimento de roupas, da moda em especial, diria que esse traje é de que época?
A resposta, que veio de imediato, sem titubear, confirmou sua suspeita. Mas surpreendeu, não pela certeza de sua competência, mas por uma dúvida sobre o usuário do traje.
- Eu diria fins do século dezoito, talvez princípios do seguinte...
Breve pausa, o Alfaiate chega mais perto da vitrine, nariz quase colado ao vidro.
- Ora, se não é...? Bem parecido com os retratos que já vi...
Ficou em silêncio, observando com intensa atenção, como se esquadrinhasse, qual retícula, o seu campo visual.
- Do que fala? Conhece a pessoa?
- Não. E com certeza não é quem me acudiu à mente. Mas a semelhança é muito forte...
- Semelhante a quem?
- Uma figura histórica, da qual a senhorita certamente já ouviu falar: José Bonifácio, o denominado Patriarca da Independência.
- Sim, ouço falar desde os bancos escolares. Ou muito antes até. Por nomes de locais públicos: a Praça José Bonifácio, a Praça da Independência, o Palácio José Bonifácio, ali na Praça Mauá... e esta praça aqui em frente, sem dúvida. Praça dos Andradas...
Enquanto confirmava com acenos de cabeça as palavras de Audite, o Alfaiate parecia tentar adivinhar para onde ambos rumavam, conjetura que emergia de uma combinação da velocidade e da resoluta caminhada que quase desenhava uma direção certeira.
- Acho que sei do que se trata. Que dia é hoje?
- Treze de junho.
- É isso aí. Data de aniversário de Bonifácio...
- E...?
- Estão indo para o cinema da praça. Começa hoje lá uma mostra, um ciclo de cinema político, com debates após a exibição de cada filme...
- E o que vai passar hoje?
- Não sei ao certo, mas tenho um pressentimento... Vamos assistir?
- Por mim, tudo bem, não tenho outro compromisso.
- Vou fechar a loja. O cafezinho lá fica por minha conta.
Rapidamente, apressando o passo, ambos se puseram a acompanhar, com certa distância, a estranha dupla que atravessava a praça.
Surpresos, entretanto,
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