NO PORTÃO
Tu nem sabia bem quem eram eles. Os dois costumeiros visitantes que, na época da tua infância e até na adolescência, apareciam em tua casa sem avisar. Depois de algum tempo, tu entendeu que ela era amiga de alguém do círculo familiar de tua mãe. Não era parente. Ele, sim, era parente. Primo do teu pai. Em que grau, tu não tem a mínima ideia.
Não havia dia específico. Podia ser segunda, quarta, sábado, domingo. Nunca se sabia. De repente, soava o toque da campainha, e o suspense se instaurava. Qual dos dois seria? Fosse qual fosse, ele, ou ela, simplesmente tocava e aguardava até que tua mãe abrisse a porta. O que ela só fazia depois que, a muito custo, conseguia disfarçar a contrariedade. Mas a reiterada situação logo possibilitou adivinhar quem estava lá. Ela costumava chegar sempre pelas nove horas, ele mais perto do meio-dia, onze e meia, por aí.
Pelo que tu recorda, não se conheciam. Pelo menos, tu não te lembra se algum dia coincidiu de ambos irem lá dividir o mesmo espaço e tempo. Mas certamente sabiam um do outro. Em algum momento das respectivas visitas, tua mãe ou teu pai devem ter mencionado o nome de cada um para o outro.
ELA
Ela, era a Dona Inhanas. Ou, numa variação menos formal, Sinhaninhas. Que diabo de nome era esse tu nunca tiveste ideia. No plural? Anos mais tarde, tu irias conhecer uma Lourdes, que referia a si própria no diminutivo, e no plural: Lurdinhas. Talvez fosse coisa semelhante. Ou o nome poderia ter derivado de Sinhá Ana. Nhá Ana? Inhá Ana? E aí os dois "as" se contraíram para formar um nome só? Mas como explicar o plural? O "esse" saltou do começo para o final? Malabarismo linguístico. Difícil saber. Mas tudo isso no diminutivo. Num tom carinhoso, afetuoso, tu crê.
Sinhaninhas morava perto. A três ou quatro quadras de distância. Mas, apesar de curto, era um trajeto que exigia dela grande esforço, e o percurso não era vencido sem enorme tenacidade. Tinha que suportar o peso da idade avançada e o peso do dilatado corpo losangular. Lidar com as pressões da entropia, da gravidade e do equilíbrio. O guarda-chuva, em modo bengala, ajudava a superar as dificuldades.
Chegava sempre ofegante, suando. Na mão que segurava a bolsacola, o lenço encharcado. Molhado também, se fazia calor, estava o vestido, geralmente de um azul escuro pontilhado por bolinhas brancas. Entrava, ia direto para a copa, onde uma cadeira já havia sido ligeiramente afastada da mesa para que ela pudesse se sentar.
Falatório. Tricotava.
O prato na borda da mesa.
O retorno à casa. O rodízio. Duas quadras, mais de meia hora.
Casa com fachada de face rua, aluguel de cômodos.
ELE
Ele, era o Cabdinho. Talvez devesse ser escrito Cab´dinho. Mas também não era Cã´dinho? Ou Can(u)dinho? Com qual desses nomes a família se referia a ele, mesmo? Não na presença dele, evidentemente. Acho que se referia ora de um jeito, ora de outro. E parece que acabou prevalecendo o último. E ficou tão natural que tu já nem te lembra do nome. Também o teu pai não costumava chamá-lo pelo nome. Era sempre "ó primo", primo pra cá, primo pra lá.
Mas tu lembra muito bem da origem dos apelidos.
Cab´dinho, assim com a vogal muda, do jeito que fala o português de raiz, o aldeão, era como o primo do teu pai pronunciava a palavra cabidinho. Ele sempre vinha de paletó e sem gravata, trazendo consigo o violão. A primeira coisa que fazia, depois de encostar o violão em algum canto, era pedir um cabidinho para pendurar o paletó.
O Can(u)dinho, ou Cã´dinho, já era outra história. Antes de almoçar, ele sempre pedia que tua mãe preparasse um suco de laranja. De preferência, de laranja serra d´água, docinha. E aí vinha o detalhe. Pedia também um canudinho, que é como ele gostava de tomar o suco. Ou, como ele pronunciava, "tães aí um can(u)dinho"?
Can(u)dinho era alfaiate, como teu pai. Autônomo. Tinha poucos fregueses. Talvez a visita fosse uma forma de preencher um dia em que estivesse sem trabalho. É o que tu supõe.
Eu nasci em Catumbi (Cabeça de Promessa, de Sinhô)
Cabeça De Promessa
Eu nasci em Catumbi Catumbi, Catumbi
Mas sou filho de OxaláOxalá, Oxalá
E tu és o enjeitado Enjeitado
Da ilha de PaquetáPaquetá
É preciso deslindar Deslindar, deslindar
Esta cousa de querer De querer, de querer!
Se não queres, meu amor Meu amor, meu amor!
Não me faças padecer Padecer, padecer
Não tens razão
Oh! Meu amor
Deixa de história
Oh! Cabeça de promessa
Sem valor!
Eu já vivo a cismar A cismar, a cismar!
Que tu não tens coração Coração, coração!
Não tens pena de me ver De me ver, de me ver!
A viver na ilusãoIlusão, ilusão
AMBOS: DEU-SE ENCONTRO, DEU-SE ENCANTO
Meu pacharinho, pio, pio, pio, pio
Meu pacharinho, pio, pio, pio, pio
Meu pacharinho, pio, pio, pio, pio
A gaiola estava aberta e o pacharinho fugiu.
Meu pacharinho voou, voou
E nunca mais ele voltou
Quem o encontrar
Faz favor de me avisar
É todo amarelinho
O meu pobre pacharinho
Meu pacharinho, pio, pio, pio, pio
Meu pacharinho, pio, pio, pio, pio
Meu pacharinho, pio, pio, pio, pio
A braguilha estava aberta e o pacharinho fugiu.
Meu pacharinho voou, voou
E nunca mais ele voltou
Quem o encontrar
Faz favor de me avisar
É todo vermelhinho
Meu p´queno pacharinho
FOGOSA CONVERSA: O PÁSSARO DE FOGO
A lenda.
ENFIM, O QUARTO NADA INCÔMODO
NA JANELA
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