Gil Nuno Vaz
- Operadores, falou o Auditor-Mor assim que Nihil entrou na sala, antes mesmo de fechar a porta atrás de si.
- Com licença, desculpou-se Nihil. Não sei se o cumprimento ou pergunto o que falou, pois não consegui entender.
- Operadores, repetiu. E não precisa perguntar, pois já estou lhe dando a resposta.
Nihil abanou a cabeça, e achou melhor fingir que havia entendido. Enquanto avançava na direção do Auditor-Mor, foi expondo suas preocupações:
- Pois é, acho que vou precisar de algumas orientações, antes de iniciar esta missão.
O Auditor-Mor já esperava a ressalva. Havia se informado muito bem sobre o auditor. Sabia de seu extremo senso de cautela. Não de receio, temor de enfrentar tarefas difíceis. Pelo contrário, seu histórico revelava missões de grande complexidade, que sempre desempenhou a contento.
Mas não se manifestou de imediato. Pôs-se a olhar para a extensão imensa do mar à sua frente, quase se esquecendo que, do posto em que estava, era mais uma percepção imaginária do que real. A paisagem visual concreta era da baía emoldurando a orla em que ficava o edifício do Auditorium. Nihil não parecia ansioso nem aflito pela demora em obter o esclarecimento que solicitara. Sentou-se calmamente à mesa no centro da sala, ficou olhando os dois volumes que havia apanhado com a recepcionista, e passou a folheá-los aleatoriamente, como se de repente pudesse encontrar ao acaso alguma informação relevante.
- Bem, voltou a falar o Auditor-Mor, de que tipo de informações você precisa?
- Enquanto aguardava no saguão, percebi que o Plano de Cantos apresenta títulos curiosos, incomuns ao uso contábil. O relatório de apresentação exemplifica alguns lançamentos encontrados nos livros, e as descrições das operações não deixam muito claro quem pratica os atos. Os quais, pelos exemplos fornecidos, mal parecem operações comerciais.
- Bem notado, sem dúvida. E esse é justamente o ponto focal de sua missão. Ou, pelo menos, acreditamos que seja. Descobrir quem são os operadores envolvidos. Ou quais são. A conjetura que estamos fazendo é de que existem diversos tipos de operadores, que podem ser não apenas pessoas físicas ou jurídicas, mas mesmo objetos, lugares, eventos.
Bom, pelo menos começava a fazer sentido a palavra que o Auditor-Mor pronunciara no primeiro momento.
- Alguma referência mais específica?, Nihil retrucou;.
- Podemos passar para você uma relação do que, a priori, parecem ser operadores. Pensamos que pode ajudá-lo como ponto de partida.
O Auditor-Mor foi até sua mesa, abriu uma gaveta e retirou uma pequena folha de papel dobrada, estendendo-a a Nihil.
- Tome, é sua. Lamento não poder auxiliá-lo em nada mais do que isso. Mas tenho certeza de que conseguirá encontrar pistas que possam levá-lo adiante.
Nihil Ultra apanhou e abriu a folha imediatamente, curioso. Havia pouco mais de meia dúzia de nomes de eventuais operadores:
- Bem, parece que já tenho um começo. Algo palpável, pelo menos. Qual o tempo que temos para conseguir algum resultado?
- Depende. Por um lado, não temos tempo algum. Talvez o que estejamos a investigar já se encontre tão avançado, que se torna irreversível. E provavelmente devamos apenas aceitar a situação. Por outro lado, talvez tenhamos todo o tempo do mundo. No pressuposto de que, a qualquer momento, é possível retomar as coisas do ponto que se desejar.
Nihil começou a ficar preocupado, para não dizer assustado, com tais palavras.
- Confesso que tenho dificuldade em compreender o que está querendo me dizer, senhor. Desculpe-me.
- Não há por que se desculpar, meu caro Auditor. Deixe-me mostrar para você alguns detalhes do caso. Tenho certeza de que, mesmo persistindo dúvidas - e elas permanecerão - você perceberá melhor o sentido das minhas palavras. Peço que passe à sala ao lado, e me aguarde. Vou para lá em alguns minutos. Nihil recolheu os dois volumes sobre a mesa, mais a sua pasta, e se dirigiu à porta que dava para a sala de reuniões. Quando se viu no novo ambiente, percebeu de imediato que algo mais misterioso ainda estava por ser revelado. Pois o primeiro pensamento que lhe veio à mente, embora o reconhecesse como seu, não apresentava o seu padrão de raciocínio. Parecia, antes, que se expressava poeticamente. Não necessariamente com rimas, ou métrica regular. Era mais o jeito e a cadência com que as palavras fluíam, como querendo se arranjar em formato que lembrava sonetos. Antes de vencer completamente o estranhamento e embarcar no novo estilo de pensar, ainda teve tempo de refletir: Não era à toa que os registros contábeis revelavam terminologia não usual na escrita fiscal. Talvez viesse daí que o Plano de Contas se chamasse Plano de Cantos. E só havia uma forma de descobrir isso: cantando a poesia.
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