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O Auditor


(1) Da janela panorâmica do Auditorium, seis canais da orla de Santos ao alcance da visão, em um vagaroso giro de cabeça. Há um sétimo, já sabia, que não se estende areia adentro. Desemboca diretamente nas águas, escondido sob a mureta do calçadão. Ficou ali um tempo sem conta,  apreciando o que o burocrático mirante oferecia, enquanto aguardava pela chegada do Auditor-Mor.

- Muito tempo esperando? ecoou sua abruta entrada na sala.

- Não me dei conta. (2)


Estendeu a mão em cumprimento, com polidez:

- Diante dessa paisagem, nem nos damos conta de que o tempo passa.

- É verdade.

Aproximou-se, bem perto da janela, e olhou para baixo. - Na verdade, talvez haja nessa paisagem

algo de que não nos damos conta já há muito tempo.

- Como o quê, por exemplo?

Com um gesto rápido e decidido, apontou para o horizonte. - Lá longe, além da baía, algumas milhas mar adentro.

Fez um esforço para identificar navio,

ilha, ou algo a ser divisado na distância.

Nada. Então...

 

(3)


Antes que falasse, o Auditor-Mor moveu-se em direção à cabeceira

da comprida mesa de reuniões,

e indicou o assento ao lado.

- Bem, vamos direto ao ponto. Os seus trabalhos

foram requisitados para uma auditoria completa nestes registros.

Com um terceiro gesto, lançou sobre a mesa

cópias tridimensionais de vários livros.

- Antes que comece a folheá-los,

sugiro que se debruce sobre uma controvérsia histórica

envolvendo a autoria de um soneto.

Parece que constitui indício

ou pista importante

para sua investigação.


(4)


A um quarto gesto, de um ponto na parede oposta à janela,

um feixe luminoso começou a se movimentar para a direita, 

desenhando um trajeto linear, como um sulco se inscrevendo na superfície,

bem próximo ao teto, e assim permaneceu reluzente.

Em seguida, imediatamente abaixo,

outro feixe percorreu trajeto paralelo com a mesma extensão

e, ao se deter, outro feixe repetiu abaixo o movimento,

e assim por diante, várias vezes.

Quando o traçado terminou,

o Auditor percebeu ter diante de si

o esboço gráfico de um soneto.

Mas não havia ao longo dos feixes

qualquer palavra escrita.

Nada. Então...




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