Artigo publicado no jornal A Tribuna, de Santos, em 29/08/1994.
GILBERTO MENDES CONTA EM LIVRO SUA ODISSÉIA MUSICAL
Gil Nuno Vaz
O público que acompanha o trabalho de Gilberto Mendes, como compositor e como organizador do Festival Música Nova, principal evento brasileiro e parada obrigatória no circuito mundial da música erudita contemporânea, tem agora a oportunidade de conhecer a obra e a produção do músico santista através de suas próprias reflexões.
Foi lançado recentemente, na 13a. Bienal do Livro, o seu livro "Uma Odisséia Musical - dos mares do sul à elegância pop/art-déco", numa edição conjunta da EDUSP - Editora da Universidade de São Paulo e da Editora Giordano. Esta última vem conquistando reconhecimento e destacando-se por propostas editoriais arrojadas e inovadoras, dirigidas a um segmento de público que não tem recebido a devida atenção mercadológica pelas editoras de maior porte.
O trabalho é a dissertação da tese de doutoramento apresentada em 1992, na USP, onde o compositor lecionou durante muitos anos. No livro, Gilberto relata a sua trajetória musical, desde os primeiros contatos com a música erudita, "afortunadamente", aos seis anos de idade. Conta como, dessa iniciação marcada por obras de Beethoven, Schubert e outros mestres da música ocidental, sentiu-se influenciado mais pelas raízes européias, do classicismo e do romantismo, do que pelas raízes brasileiras. E como, por outro lado, era envolvido pelo clima de fantasia dos grandes musicais de Hollywood, das big bands e do refinamento musical dos compositores norte-americanos que escreviam para o teatro de variedades e para o cinema, criando uma espécie de lied (forma-canção clássica) do século XX.
A partir do intercâmbio desses dois universos musicais, o compositor desenvolve, em texto fluente, um percurso pela sua produção musical, entremeado de comentários e exemplos de obras e compositores que o influenciaram. O texto vem acompanhado de várias ilustrações musicais, trechos de partituras em que são apontadas as observações técnicas e, ao final, partituras integrais do autor. Fotografias documentam fartamente os contatos com compositores de vários países, que estiveram no Brasil para se apresentarem no Festival Música Nova, e em participações de Gilberto Mendes em eventos no exterior.
Embora centrado na música, o livro reflete o interesse do compositor pelas outras artes, sempre aberto para novas propostas e experiências estéticas. Alusões às artes plásticas, arquitetura, literatura e cinema surgem constantemente no curso da narrativa, revelando a influência presente em muitas de suas criações, como Son et Lumière, Último Tango em Vila Parisi, Santos Football Music e Ópera Aberta.
O leitor tem ainda a oportunidade de descobrir a dimensão humana e social de Gilberto Mendes, através de depoimentos sobre o seu pensamento político e relatos do cotidiano, em que a cidade de Santos aparece como pano de fundo, contínuo ponto de referência e raiz na vida de uma pessoa que se considera "cidadão do mundo". Ter Gilberto entre nós é privilégio do santista.
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