CANTOS CORRENTES: NEM A VIDA-OBRA, NEM O CONJUNTO DA OBRA.
Diz o ditado que se o prato é indigerível, não há receita dirigível que o recite.
Jamais entendeste este provérbio, que por certo não estava no princípio. Isto é, não existe. Mas do dado em riste extraíste o chiste. Não a enjoada simples, nem a desenjoada completa. A incompleta complexa.
Então, um aviso: esta receita, metáfora (g)astronômica de Cantos Correntes, é inútil resposta a eventual SOS de desavisados fumegantes navegantes que por aqui se aventuram. Entretanto, diz o desconhecido autor do provérbio que, embora incompreensível, o universo não se pode furtar à curiosidade da observação e quiçá do experimento.
OBRA EM SI
Cada ingrediente é uma obra em si. Vale por si só, sem prejuízo da parte que lhe cabe no conjunto dos ingredientes, quando o modo de preparo faz do prato obra.
OBRA-INGREDIENTE
Uma canção simples de feijão preto, pretinho básico. Danças a gosto: um lundu de carne-seca; uma giga de linguiça de paio; uma ginga de linguiça calabresa, de porco; um jongo de lombo de porco salgado. Contradanças: um baião de duas folhas secas de louro; uma borrada bourrée de bacon defumado; entremeadas com movimentos lentos de uma sarabanda de cebola e dentes de alho, tudo picadinho. Temperados com um xaxado de sachês.
● 1 kg de feijão preto
● 3 gomos de linguiça calabresa defumada
● 3 gomos de paio
● 1 kg de lombo salgado
● 200 g de bacon
● 500 g de costelinha salgada
● Laranjas
● 3 cebolas picadas
● 1 cabeça de alho picado
● Óleo ou azeite para frituras
● 3 folhas de louro
● 50 g de salsinha desidratada
● 10 litros de água fervente (3 chaleiras)
● 500 g de couve manteiga
Modo de preparo
NA VÉSPERA:
● Lave todas as carnes salgadas (lombo e costelinha), trocando várias vezes a água;
● Reserve em uma bacia grande com água;
● Deixe o feijão preto de molho até o dia seguinte.
DE MANHÃ:
● Troque a água das carnes salgadas mais quatro vezes;
● Limpe as carnes, tirando o excesso de gordura;
● Corte o lombo em cubos de aproximadamente 4 cm;
● Corte as costelinhas;
● Jogue água fervente nas carnes para retirar o excesso de gordura;
● Cubra as carnes com água fervente e cozinhe em fogo baixo na panela de pressão por aproximadamente 40 minutos, ou até que fiquem macias ao espetar o garfo. Não se esqueça de tirar a pressão da panela antes de conferir as carnes;
● Transfira as carnes para outra panela comum, cubra com água fervente e continue cozinhando em fogo baixo, com a panela tampada;
● Coloque o feijão na panela de pressão em fogo baixo por 30 minutos;
● Retire a pele da linguiça e do paio;
● Corte a linguiça em pedaços com 1 dedo de espessura;
● Corte o paio em pedaços com 2 dedos de espessura;
● Corte o bacon em pedaços bem pequenos e reserve separado das outras carnes;
● Assim que o feijão estiver quase cozido, acrescente a linguiça e o paio e deixe cozinhar em fogo baixo, sem pressão;
● Em outra panela, coloque 2 colheres de óleo ou azeite para refogar o bacon até dourar. Deixe uma parte separada para a couve e reserve o restante para a feijoada;
● Refogue alho e cebola em uma nova panela;
● Com uma escumadeira, retire alguns grãos de feijão cozido e amasse nesses temperos;
● Devolva todos os temperos para a panela com o feijão, acrescente o louro e tampe sem pressão;
● Deixe cozinhar em fogo baixo, e aos poucos, acrescente as demais carnes com a escumadeira;Dica: tenha sempre à mão a chaleira com água fervente caso a água do feijão não seja suficiente.
● Acerte o sal e deixe ferver por mais 10 minutos;
● Acrescente a salsa;
● Desligue o fogo.
COUVE
● Corte a couve em tirinhas bem finas;
● Coloque em uma panela 2 colheres de óleo ou azeite e frite o alho e cebola restantes;
● Acrescente o bacon já frito;
● Continue mexendo sem parar para não queimar;
● Acrescente a couve e misture bem;
● Acrescente o sal e deixe cozinhar por mais alguns minutos, sem parar de mexer.
APRESENTAÇÃO:
● Descasque e corte em rodelas o número de laranjas correspondente à quantidade de convidados;
● Deixe na frente de cada prato;
● Sirva a feijoada com arroz branco, couve e a laranja cortada.
FEIJOADA COMPLETA
Ingredientes
200 g de costela suína defumada cortada em pedaços
os
2 sachês de Tempero Para Feijão
Modo de Preparo
1.Na véspera, lave bem a costela, a carne-seca, a orelha, o pé, o rabo de porco e o lombo, e deixe de molho por 24 horas na geladeira, trocando a água no mínimo 4 vezes.
2.Escolha o feijão e deixe de molho por 2 horas. Em uma panela de pressão, coloque o feijão, cubra com a água e cozinhe, em fogo médio, por 25 minutos, após abrir fervura.
3.Enquanto isso, escalde as carnes: em uma panela grande, coloque 5 litros de água e leve ao fogo alto para ferver. Junte as carnes e cozinhe por 15 minutos. Despreze a água, corte a carne-seca em pedaços menores e transfira todas as carnes para uma panela de pressão. Cubra com 2 litros de água e cozinhe em fogo alto, após abrir fervura, por cerca de 20 minutos, ou até que as carnes estejam macias.
4.Em uma panela média, refogue o bacon e o paio em fogo alto por 5 minutos, ou até que dourem. Adicione a cebola e o alho, e refogue por mais 5 minutos. Acrescente 1 concha dos grãos de feijão cozidos e amasse delicadamente. Polvilhe com o MAGGI Tempero Para Feijão e misture bem.
5.Volte para a panela de pressão, junte as carnes com metade do caldo de cozimento e o cheiro-verde, e cozinhe em fogo médio por 10 minutos, ou até encorpar.
6.Sirva acompanhado de arroz branco, couve e farofa.
Feijoada à minha moda
Rio de Janeiro , 1962
Amiga Helena Sangirardi
Conforme um dia eu prometi
Onde, confesso que esqueci
E embora - perdoe - tão tarde
(Melhor do que nunca!) este poeta
Segundo manda a boa ética
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.
Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho
O feijão deve, já catado
Nos esperar, feliz, de molho.
E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte
Já deve ter tacado peito
E preparado e posto à parte
Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho - e o que mais for azado
Tudo picado desde cedo
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais... vulgar
Às nossas nobres mãos de aedo
Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uísque on the rocks.
Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
Nos chegaremos ao fogão
E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas
Provaremos a rica negrura
Por onde devem boiar postas
De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho
(Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)
E - atenção! - segredo modesto
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
Posta a cozer com todo o resto.
Feito o quê, retire-se caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado
De modo a ter-se um molho grosso
Que vai de volta ao caldeirão
No qual o poeta, em bom agouro
Deve esparzir folhas de louro
Com um gesto clássico e pagão.
Inútil dizer que, entrementes
Em chama à parte desta liça
Devem fritar, todas contentes
Lindas rodelas de lingüiça
Enquanto ao lado, em fogo brando
Desmilingüindo-se de gozo
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso
Em cuja gordura, de resto
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve
Picada, em fogo alegre e presto.
Uma farofa? - tem seus dias...
Porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) - e chega.
Só na última cozedura
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da lingüiça na iguaria - e mexa-se.
Que prazer mais um corpo pede
Após comido um tal feijão?
- Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão...
Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta... - jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes.
Comments