Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 15/12/1983.
Diletantismo, o novo disco do grupo Rumo, já pode ser encontrado nas boas lojas do ramo. Numa produção Lira-Continental, mantém a mesma linha dos anteriores, lançados em 1981: Rumo, que trazia composições de seus integrantes, e Rumo Aos Antigos, em que o conjunto recriava velhos sucessos de autores consagrados da MPB.
Só que desta vez o trabalho de revisitar o cancioneiro antigo restringe-se apenas à marchinha O que é que você fazia?, de Hervê Cordovial e Noel Rosa, gravada em 45 rotações num compacto simples que acompanha o LP. Isso não significa, entretanto, que a idéia de um segundo Rumo Aos Antigos tenha sido abandonada. Está apenas em outra rotação.
As canções de autoria do grupo conservam as mesmas características, sobressaindo um tipo de entoação que desliza constantemente entre canto e fala, quando não os une numa espécie de canto falado. É um procedimento que, apesar de soar um tanto estranho, causa a impressão de estarmos ouvindo uma curiosa conversa musical, algo bastante coloquial e informal, que é realçado pela escolha de temas simples, corriqueiros e até banais. Nâo se trata, evidentemente, de conversa mole ou papo furado a música de Luiz Tatit e companheiros. Muito pelo contrário, é uma tagarelice altamente inventiva e personalizada: patatá patati...
O álbum não vem apenas dar continuidade aos anteriores: parece caminhar sensivelmente para uma gradativa interpenetração do trabalho próprio do grupo e do repertório tradicional universal. É o que transparece com maior evidência no uso discreto, sutil, de estratégicas citações musicais em ligeiros fragmentos, ora como parte da melodia original, ora incorporadas nos arranjos particularíssimos de Paulo Tatit e Hélio Ziskind.
Hora da Vida, de Luiz Tatit, na interpretação cada vez melhor de Ná Ozzetti, tem tudo isso. Um pequeno desenho ascendente, que lembra o refrão final de Um Chorinho, de Chico Buarque, uma passagem que evoca uma valsa italiana (Senza Fine, se não me engano) usada num comercial de televisão, infiltram-se com naturalidade no texto-melodia da canção. Também o clássico Carinhoso, de Pixinguinha, pode ser notado no bandolim e no violão, sublinhando com expresividade determinado momento.
No fundo, é como diz a letra: “Ele canta e canta simplesmente, não faz muita onda se pega o violão. Minha nossa! Nossa! Sai cada música! Embora um pouquinho, mas sai música...”
E a coisa vai em frente: Noite Cheia de Estrelas, de Cândido das Neves, bem como clichês transfigurados de modinhas, surgem aqui e ali em Aceita a Serenata. A vibração tropical do Bando da Lua está em A Banda de Cá e o Bando de Lá, que tem também a vibração temperada dos Beatles. E o acompanhamento dos violões em Mesmo Porque lembra ainda os Beatles do álbum branco.
Todas essas canções são de Luiz Tatit, responsável pela quase totalidade das faixas do disco e, sem dúvida, o principal articulador da proposta que o grupo Rumo desenvolve. As orientações da proposta estão contidas na tese Por uma Semiótica da Canção Popular, que Luiz defendeu no ano passado e sobre a qual não cabe falar aqui. Fica para um próximo papo.
Dos outros compositores, apenas Zécarlos Ribeiro participa mais efetivamente, contribuindo com três canções. Uma delas, Falta Alguma Coisa, nada fica a dever a Chico Buarque e Caetano Veloso, nas canções que procuram traduzir o universo do sentimento feminino. Hélio Ziskind, que assinou duas músicas no primeiro disco, neste aparece apenas numa parceria (a única do LP) com Luiz Tatit.
Diletantismo é um disco bem mais fluente que o anterior, mais acessível até, pode-se dizer. Afinal, é o que o Rumo pretende: fazer música agradável e criativa, divertida e inteligente, mas, acima de tudo, música popular. Gostosa de curtir e que, ao mesmo tempo, acrescente algo às pessoas. Diletantismo faz isso de um modo especial, diletantíssimo, no sentido mais original do termo, “apaixonado por música”.
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