Devido a um resgate parcial de sua textura energética, ABZeh continuou mantendo algumas condições perceptuais da realidade em que fora inserido.
Ao criar realizações, no seu habitat original, permeadas pelas capacidades que adquirira no ambiente em que se achava imerso, ele enfrenta reações adversas e tem cerceadas as novas atividades que desenvolvera.
Tudo o que conseguira até então esvai-se abruptamente, restando apenas poucos pertences, situação que o leva a uma existência marginal, vivendo no subterrâneo de um dos canais da cidade.
Passa a ser ABZé. Tornara-se...
ABZé
Era um Zé.
Morava sob a ponte do canal dois, no cruzamento da Avenida Bernardino de Campos com a Rua Joaquim Távora. Num dos corredores laterais usados para acesso, nem sempre periódico, à vistoria técnica das condições de segurança da ponte.
Parecia não ter preferência por um ou outro corredor. Como os seus pertences se resumiam a alguns objetos de uso pessoal, e um esfarrapado cobertor, passar para o lado de lá, ou de cá, não era uma tarefa complicada de mudança residencial.
A maior preocupação era nas noites de chuva pesada, quando as águas do canal poderiam subir de nível, e atingir o patamar onde instalara sua moradia.
No início dos anos trinta do século vinte, a Panificadora São João, com as árvores ladeando o Canal 2 (à esquerda da imagem) e, à direita, o contorno do prédio voltado, em diagonal, para a nascente Rua Princesa Isabel.
Na fisiologia do cotidiano, beneficiava-se da generosidade dos residentes do bairro, que o contemplavam com uma ou duas médias com manteiga (às vezes até um pão na chapa) e uma caneca de café, quando se postava próximo à entrada da Panificadora São João, ali na esquina do canal com a Rua Princesa Isabel.
Essa piedade que despertava nas pessoas deu lugar, um dia, a um sentimento misto de ansiedade, perplexidade e curiosidade.
O que desencadeou tal impacto foi uma situação tão corriqueira quanto inusitada. Era comum AbZé sentar-se à beirada do canal, num instintivo hábito de se expor ao calor do sol. Quase sempre nas primeiras horas da manhã. Não ficava muito tempo. O suficiente para receber a incidência saudável dos raios solares, percepção embutida no corpo como herança animal.
Em certa manhã, bem mais cedo do que o usual, passou por ele um notívago boêmio, com um violão a tiracolo. No seu caminhar, parecia às vezes deslocar-se ora para a esquerda, ora para a direita. Não chegava a cambalear, mas era visível que havia bebido além da conta. Porém, justiça seja feita, o efeito do álcool já devia estar minguando. Ao se aproximar de AbZé, notou aquela estranha figura sentada na baixa muretinha do canal, e parou, bem à sua frente. Nem percebeu que havia se interposto entre a posição da estrela solar e ABZé, cortando-lhe a luz.
ABZé, que não se dera conta até então da emergente presença, ergueu os olhos. Ficou assim por demorado instante, fitando o imóvel ser que lhe privara do prazer reconfortante do direto banho de sol. Como o ser permanecia estático, sem dar sinais de que se moveria dali, ABZé, calmamente, dirigiu-se firme, mas com suave, àquele que lhe fazia sombra:
- Ó augusto e grande Alexandre...
O notívago quedou-se, de repente, embasbacado. Mas, a perplexidade que o acometeu (como aquele mísero mendigo sabia o seu nome?) não emudeceu-lhe a voz:
- Ô Zé! a gente já se encontrou antes? Tu já me conhece?
- Por quê?
- Como é que tu sabe o meu nome?
- Acho que do mesmo modo que tu sabe o meu?
- Tu te chama José?
- Zé.
Segundo a tradição, Diógenes vivia a perambular pelas ruas na mais completa miséria até que um dia foi aprisionado por piratas para, posteriormente, ser vendido como escravo. Um homem com boa educação chamado Xeníades o comprou. Logo ele pôde constatar a inteligência de seu novo escravo e lhe confiou tanto a gerência de seus bens quanto a educação de seus filhos.
Diógenes levou ao extremo os preceitos cínicos de seu mestre Antístenes. Foi o exemplo vivo que perpetuou a indiferença cínica perante os valores da sociedade da qual fazia parte. Desprezava a opinião pública e parece ter vivido em uma pipa ou barril. Reza a lenda que seus únicos bens eram um alforje, um bastão e uma tigela (que simbolizavam o desapego e autossuficiência perante o mundo), sendo ele conhecido também, talvez pejorativamente como kinos, o cão, pela forma como vivia.
A felicidade - entendida como autodomínio e liberdade - era a verdadeira realização de uma vida. Sua filosofia combatia o prazer, o desejo e a luxúria pois isto impedia a autossuficiência. A virtude - como em Aristóteles - deveria ser praticada e isto era mais importante que teorias sobre a virtude.
Diógenes é tido como um dos primeiros homens (antecedido por Sócrates com a sua célebre frase "Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo.") a afirmar, "Sou uma criatura do mundo (cosmos), e não de um estado ou uma cidade (polis) particular", manifestando assim um cosmopolitismo relativamente raro em seu tempo.
Diógenes parece ter escrito tragédias ilustrativas da condição humana e também uma República que teria influenciado Zenão de Cítio, fundador do estoicismo. De fato, a influência cínica sobre o estoicismo é bastante saliente.
Provavelmente, Diógenes foi o mais folclórico dos filósofos. São inúmeras as histórias que se contavam sobre ele já na Antiguidade.
É famosa, por exemplo, a história de que ele saía em plena luz do dia com uma lamparina acesa procurando por homens verdadeiros (ou seja, homens autossuficientes e virtuosos).
Igualmente famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para Alexandre, disse: "Não me tires o que não me podes dar!" (variante: "deixa-me ao meu sol"). Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes."
A (provável) segunda maior história e prova de admiração de Diogenes por parte de Alexandre o Grande, é que se conta que um dia, Alexandre perguntou a Diógenes o que ele fazia em meio aos ossos, Diogenes respondeu com a frase: "Estou procurando os ossos de seu pai, mas não consigo os diferenciar dos ossos de teus servos"
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