Ouvindo o registro telefônico de uma conversa de Inês Cruz com Idéo Bava, quando em 1996 ela coletava depoimentos para uma pesquisa sobre o Clube de Arte de Santos, decidi em 2017 retomar o contato na esperança de tirar algumas dúvidas e eventualmente incorporar novas informações, no propósito de transformar em livro aquela pesquisa e outra sobre o Clube de Cinema de Santos.
Muita coisa foi possível acrescentar dessa segunda entrevista de Idéo, não apenas o relato mas também conteúdos materiais, pela generosa cessão de documentos para a publicação. Um deles, de especial interesse, foi a transcrição de uma poesia de Plínio Marcos (Vida e Morte de Nossa Irmã Ausente), antes de se iniciar no teatro, manuscrita por uma colega dele, Marly Mahtuk.
O poema foi incorporado à peça Dia Virá, de 1967, que ganharia nova versão, modificada e reintitulada, em 1978, Jesus-Homem. O texto é incluído na peça com algumas alterações. Dispensa o título original, Vida e Morte de Nossa Irmã Ausente. Inserido como fala de Maria Madalena, é acrescido de um verso inicial em que a personagem declina seu nome a Jesus, é dito na primeira pessoa: "Sou a mulher / que, com olhar de pedra, / visto luxúria / visto piedade" etc. Mais adiante o texto fala "da casa funesta / que vende conforto / conforto carnal", enquanto no manuscrito de Mahtuk está "veste conforto". Conforme observado por Kiko (Ricardo Barros), filho de Plínio Marcos, há um depoimento prestado pelo autor, em que ele fala "vende conforto". É possível que Mahtuk tenha repetido nesse trecho a palavra "veste", de morfologia semelhante aos versos iniciais, repetindo "veste" (a mulher veste) quando seria "vende" (a casa vende).
Para escrever a canção, decidi assumir esse possível equívoco do manuscrito, e corrigi-lo, mas resolvi manter um contexto que o título ali constante (Vida e Morte de Nossa Irmã Ausente), e não levado ao texto da peça, parece sugerir: sendo dito por irmãos, soa como lamento pela perda da pureza de uma irmã, deixando no passado as memórias de uma infância ingênua e feliz, de um tempo de brincadeiras e cantigas infantis.
Além disso, o texto, que alude à tristeza pétrea de uma prostituta, sentimento que endurece o seu olhar (a mulher de olhar de pedra), evocou instantaneamente outra mulher, figura do apocalipse bíblico, cuja passagem Gilberto Mendes utilizou como texto da canção A Mulher e o Dragão. Gilberto Mendes, que havia composto trilha musical para peças escritas e dirigidas por Plínio Marcos, como Homens de Papel e Jenny no Pomar. E, de imediato, levou a esta canção (A Mulher de Pedra), com texto de Plínio Marcos e música que parte do movimento melódico e da base harmônica de A Mulher e o Dragão.
A Mulher de Pedra, canção de Gil Nuno Vaz com poema de Plínio Marcos, dedicada à memória de Gilberto Mendes e de suas parcerias com Plínio Marcos.
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