Primeira composição, tanto quanto a memória alcança. Final da primeira década de vida, ou começo da segunda. Era só a melodia, não tinha letra, como de resto as outras ideias musicais que foram surgindo.
Alguns anos depois, veio um desafio de colocar letras nessas tentativas de criação musical. Era mais uma teimosia. Sem preocupação literária. Apenas a escolha casual, ou sugerida por alguma canção da época, de um tema que desse azo a exercitar certo domínio de prosódia e rima.
Devidamente anotada, partitura manuscrita num caderno de folhas pautadas e letra datilografada (conforme imagens inseridas ao final deste conteúdo), a canção ficou adormecida por muitos anos.
Até que um belo dia, na remexida curiosa de antigos apontamentos, a melodia desperta interesse, emergindo do fundo do baú por uma curiosa percepção. Seu motivo inicial, subtraindo uma nota, tem as mesmas notas da famosa canção de Natal, Stille Nacht (Noite feliz, entre nós).
Desconsiderando a letra, a singela melodia descortina uma possível linha de tapeçaria sonora para costurar outros tecidos melódicos e harmônicos. O que acontece em O Turista Incidental, como motivo subjacente e estrutural da peça. Aliás, a presente retomada da antiga melodia enquanto canção é o resultado de uma supressão dos elementos orquestrais daquela, deixando apenas o piano como acompanhamento. Em Suave Maria, tanto para coro a cappella como para coro e orquestra, como plano cantado contraposto a um plano falado, a melodia é revista sob outro condicionamento harmônico.
E assim permaneceu, como elemento de base, retraído, até que a leitura de um poema de Martins Fontes, cujo título - Como É Bom Ser Bom - tornou-se uma espécie de marca literária do poeta santista, instigou trazer a melodia ao plano pleno de canção, sem posição de coadjuvante. O soneto do poeta, em seus tercetos, diz que
Como o pássaro tem maviosidade,
Tua voz, a cantar, no mesmo tom,
Alivia, consola e persuade.
E assim, tal qual a flor contém o dom
De concentrar no aroma a suavidade,
Da mesma forma, tu nasceste bom.
O propósito não buscaria disfarçar debilidade estética da mente infantil, talvez infanto-juvenil. Fazer antes, no máximo, uma investida pueril, talvez pré-adolescente, no tema de Martins Fontes, já que o título aludia também ao estado de "ser bom". E assim ficou:
É tão bom ser bom,
Ter na voz o dom
De cantar no tom
Com amor um som.
Som que traz,
A quem ouvir,
Que traz o bem da paz.
Som que faz
Sorrir, sentir
Que a paz do bem apraz.
É tão bom ser bom,
É tão bom ser bom.
Tudo isso, enfim, sem perder de vista certo caráter jocoso, irreverente, e quiçá irônico, revelado por um crítico literário da cidade, na variação que propôs à máxima do poeta: "como é bom ser ótimo".
Áudio ilustrativo (sons sintetizados)
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