
Especulando sobre a arte do futuro, no livro “The Profiles of the Future”, Arthur C. Clarke cita a necessidade de novas fronteiras como fator primordial para a criação artística. A necessidade de aventura com que nos acenam lugares desconhecidos e situações inesperadas. Ele vincula o declínio de culturas dominantes à ausência da perspectiva de descobrimentos. E aposta que, com a exploração espacial, o homem experimentará um outro Renascimento.
Clarke arrisca algumas conjeturas. Reflexos de gravidades menos densas nas soluções arquitetônicas e na dança. O impacto visual de paisagens completamente diferentes da Terra provocando mudanças nos padrões estéticos das artes plásticas. É possível estender o raciocínio e imaginar a escultura igualmente influenciada por níveis distintos de gravidade. Novos mundos induzem novas percepções que por sua vez geram novas realizações.
Para o autor de “2001: Uma Odisséia Espacial”, o artista está condicionado ao ambiente e ao momento histórico, dos quais não consegue fugir. Quando um povo vive uma fase de expansão de fronteiras, sua arte requer espaços amplos, projeta-se em direção ao exterior. Quando se estreitam os horizontes a desbravar, a arte se volta para o íntimo de cada um, para o espaço interior.
A primeira hipótese pode ser exemplificada, entre várias, pela obra de Camões, contagiada pelo espírito épico que animava a nação portuguesa na época das grandes viagens. O segundo caso pode ser ilustrado pela obra de Fernando Pessoa, que se desdobra em quatro (ou cinco) personalidades, refletindo a inquietude do alvorecer do século vinte.
E a Ficção-Científica, enquanto modalidade de expressão artística, como é que fica nesse contexto? Gênero que floresce e ganha crescente interesse no século vinte, parece propor-se como resposta artística da ansiedade humana ante a falta de fronteiras, em um mundo onde não há mais territórios virgens por descobrir. Aonde quer que o homem vá, o local já tem dono. Entrou sem autorização, invadiu, é clandestino. Não existem mais bandeirantes. Existem turistas. Para compensar o impulso frustrado, e avançar além dos limites impostos pela geografia política, o artista intui as implicações das conquistas científicas e tecnológicas em andamento e começa a elaborar prováveis realidades futuras. É a arte da antecipação, da especulação sobre as novas fronteiras que o homem ainda tem que atravessar.
Em seus primórdios, a ênfase da Ficção-Científica recaía totalmente na descrição de novos mundos, de seres alienígenas e de máquinas incríveis. Nessa fase, o artista parecia desafogar as reprimidas expectativas de novas fronteiras. E partiu para a transposição: a space opera reeditou no cenário interestelar a velha história do longínquo oeste americano.
Passado esse período, arrefece o entusiasmo pelo exótico, pela tecnologia. O escritor começa a especular sobre as influências dos novos mundos no comportamento humano, nos valores intrínsecos, no labirinto da mente, das emoções. O espaço exterior fecha-se no mundo de dentro.
E daqui em diante? A Ficção-Científica vai se defrontar com o mesmo dilema vivido por todas as formas de expressão artística, enfrentando a falta de fronteiras?
Dentre todas as possibilidades que a nossa imaginação pode alcançar, Arthur C. Clarke julga que a mais extraordinária experiência será, sem dúvida, o contato com uma civilização contemporânea não-humana. Avançando hipóteses de como se dará esse contato, ele acredita que o encontro físico, se eventualmente acontecer, virá precedido de uma comunicação prévia: "O radiotelescópio, e não o foguete, será o instrumento que pela primeira vez estabelecerá contato com a inteligência situada fora da Terra."!
Em outras palavras: a conversa, ainda que à distância, antes do abraço. Ou, numa hipótese indesejável, a discussão antes da luta.
Arte: reflexo da realidade na construção das histórias, dos personagens, da linguagem.
Ficção-Científica: reflexos de uma realidade imaginária, que se presume factível.
OS MUNDOS CONTADOS PELA ARTE DA FICÇÃO-CIENTÍFICA E OS MUNDOS DA ARTE DE CONTAR A FICÇÃO CIENTÍFICA.
I. Os Mundos Contados pela Arte da Ficção-Científica
1. Meio Ambiente
a. Referências de Localização
b. Descrição de Lugares e Épocas
2. Vida
a. Formas
b. Composição Biológica
c. Psicologia e Comportamento
d. Filosofia
e. Ciência
f. Tecnologia
h. Valores Morais, Éticos, Religiosos
i. Organização Social, Política e Econômica
3. Fatos Históricos
4. Comunicação
a. Meios de Contato
b. Modos de Expressão
c. Linguagem
II. Os Mundos da Arte de Contar a Ficção-Científica
1. Um Novo Curso
a. Tecnológico
b. Humano
c. Comunicacional
2. Linguagem
a. Corrente principal: literatura, desenho (histórias em quadrinhos), cinema
b. Do arquetipo ao idioleto
3. Outras Artes da Ficção-Cient¡fica
a. Poesia
b. Música
c. Artes Plásticas: desenho, fotografia, pintura, escultura
d. Artes Cênicas: teatro, dança
e. Envolvimento: participação, realidade virtual
NEWTON E A MAÇÃ DE EVA
gil nuno vaz
Seremos expulsos do paraíso
No lugar dos campos floridos de antes,
onde agora se assenta a areia dos desertos,
teremos a poeira difusa
que flutua entre as estrelas
Ao invés do ar perfumado pelas flores dos campos,
que se dissipou entre os grãos de areia
e cedeu lugar aos gases tóxicos,
teremos o oxigênio racionado de reservatórios
em estações espaciais ou colônias planetárias
No lugar dos frutos da terra que eram colhidos
pelos campos hoje sem igual
cuja riqueza dividiu os homens em luta,
teremos a natureza mais hostil ainda do espaço,
inimigo comum que unirá os homens na luta
para ganhar o pão com o suor de um rosto igual
Seremos expulsos do paraíso,
do paraíso conhecido apenas
das gerações passadas
De sermos expulsos de paraísos
depende a existência de nossa
ou de outra raça que da nossa dependa
E tudo isso só será possível porque alguns,
comendo ou não do fruto proibido,
preferem desertos áridos ao invés de campos floridos
para mostrar que é preciso sair do paraíso
para nos dizer como chegar às estrelas
I. OS MUNDOS CONTADOS PELA ARTE DA FICÇÃO-CIENTÍFICA
Onde, em que lugares, estão os mundos da Ficção-Científica? Em que época acontecem as histórias criadas pelos escritores do gênero?
A leitura de uma quantidade relativamente pequena de obras já é suficiente para se constatar que o espa‡o onde se passam as hist¢rias ‚ tÆo amplo quanto a pr¢pria concep‡Æo que temos do universo. Em nÆo poucos casos, inclusive, o ƒmbito transcende os limites do universo conhecido atrav‚s da observa‡Æo astron“mica, tÆo comuns sÆo as hist¢rias ambientadas em universos paralelos ou alternativos.
Igualmente ampla ‚ a faixa de tempo abrangida, que vai do passado mais remoto ao futuro mais long¡nquo. Cabe ainda destacar a existˆncia de numerosos casos que extrapolam os conceitos tradicionais de tempo.
1. Meio Ambiente
a. Referˆncias de Localiza‡Æo
Referˆncias Espaciais
O mundo mais pr¢ximo de n¢s que se encontra nas hist¢rias de Fic‡Æo-Cient¡fica ‚ o nosso pr¢prio planeta (Proximidade relativa: muitas hist¢rias acontecem na Terra de muitos s‚culos no futuro, ou no passado. Esta observa‡Æo fica, entretanto, … guisa de lembrete, pois o aspecto tempo ser abordado separadamente, adiante)
O mundo imediatamete mais pr¢ximo ‚ a Lua, e muitas hist¢rias j foram escritas tendo o nosso sat‚lite como cen rio.
Os outros planetas do sistema solar tamb‚m sÆo frequentes.
O Sol: Os Frutos Dourados do Sol (Ray Bradbury)
A Gal xia: O Rei das Estrelas (Edmond Hamilton)
O Grupo Local:
Universos paralelos
Universos alternativos
Universos imagin rios: Eye of the Sky
O enredo de 2001: Uma Odiss‚ia Espacial, de Arthur Clarke, segue uma sequˆncia progressiva de afastamento no espa‡o: da Terra para a Lua, da¡ para J£piter e, finalmente, atrav‚s de uma viagem no hiperespa‡o, para um espa‡o-tempo indefinido.
Na space opera O Rei das Estrelas (Star King), de Edmond Hamilton, a a‡Æo principal est distribuida entre os planetas da estrela Fomalhaut, na constela‡Æo de .........., a 7 parsecs1 da Terra (que ‚ apenas o ponto de referˆncia inicial e final da hist¢ria), e os planetas da estrela Deneb, na constela‡Æo de ............, a 430 parsecs.
Em Espa‡o Sem Tempo, de Gerald Izaguirre, sÆo apresentados mundos existentes nos espa‡os interestelares, em estado de energia.
Outras hist¢rias partem para a cria‡Æo de mundos paralelos, como ‚ o caso de As Portas do Universo, de Philip Jos‚ Farmer. Duas personagens conhecem-se e travam amizade no transcurso da Segunda Guerra Mundial, at‚ que um deles cita Hitler e o outro pergunta de quem se trata. O escritor Philip K. Dick, em O Homem do Castelo Alto (The Man in the High Castle), trabalha com um universo alternativo em que Hitler sai vencedor da Guerra.
Esses sÆo mundos paralelos e alternativos que tomam a Terra como palco da a‡Æo. Em O Despertar dos Deuses (The Gods Themselves), de Isaac Asimov, ocorre um contato entre a Terra e um mundo constitu¡do por entes/substƒncias que atuam aos trios, e esse contato ‚ estabelecido por trocas de elementos qu¡micos.
Referˆncias Temporais
No tocante ao tempo, procuramos ter como referˆncia b sica o presente do autor, ou seja, a ‚poca em que a hist¢ria foi escrita. Assim, consideramos 20 Mil L‚guas Submarinas, de Jules Verne, uma hist¢ria ambientada no futuro, apesar da existˆncia de submarinos na ‚poca do leitor atual configurar a realidade imaginada pela hist¢ria como um passado poss¡vel nos dias de hoje.
O modelo tradicional de Fic‡Æo-Cient¡fica, aquele que constitui a associa‡Æo mais comum …s pessoas nÆo afeitas ao gˆnero, ‚ ambientado sempre no futuro. provavelmente em fun‡Æo dessa caracter¡stica que surgiu a denomina‡Æo de "literatura de antecipa‡Æo", t¡tulo que vem sendo refor‡ado historicamente por casos como o romance acima citado de Jules Verne (submarino) ou na Viagem … Lua, de Cyrano de Bergerac (princ¡pio de impulsÆo dos foguetes, descri‡Æo de aparelhos de grava‡Æo de som).
Esse modelo tradicional j nÆo corresponde ao conte£do de uma grande massa de obras que se voltam para outros vetores do tempo. Muitas dessas hist¢rias, inclusive, situam seus acontecimentos no passado. Temos exemplos cl ssicos, como A M quina do Tempo (The Time Machine) de H.G.Wells, ambientada em ‚pocas regressas. Ray Bradbury, no conto A Voz do TrovÆo, descreve uma viagem no tempo ao per¡odo jur ssico.2
Tais hist¢rias, entretanto, estabelecem o tempo presente como ponto de referˆncia atuante, um ponto de partida ou de chegada. Temos casos de hist¢rias em que a a‡Æo envolve a participa‡Æo de naves espaciais e seres extra-terrestres totalmente desenroladas no passado. Por outro lado, existem hist¢rias inteiramente desenvolvidas no futuro poss¡vel do leitor.
Muitos romances desenvolvem a id‚ia de um contato entre tempos nÆo simultƒneos. Atrav‚s de algum artif¡cio ou fen“meno, o presente de um mundo se cruza com o presente de outro mundo, embora exista uma defasagem temporal entre ambos. evidente que isso s¢ fica claro se for apresentada alguma rela‡Æo de causa e efeito entre o passado de um e o presente de outro.
Esse tipo de situa‡Æo ‚ bastante comum em acontecimentos num mesmo mundo: no conto Encontro Consigo Mesmo, um homem faz uma visita a ele mesmo trinta anos antes de orientar a si mesmo, mais mo‡o, sobre o que ir acontecer consigo no futuro.
Assim como os escritores tem imaginado mundos paralelos e alternativos, quanto … localiza‡Æo no espa‡o, mundos com diferentes concep‡äes de tempo tem sido criados tamb‚m. O conto................ apresenta um mundo composto de diversas camadas, cada uma delas sujeita a um ritmo de tempo pr¢prio. A personagem central, ao passar das camadas inferiores …s superiores, vai sofrendo as influˆncias desses ritmos e envelhecendo numa escala geom‚trica.
Uma vincula‡Æo muito interessante entre o futuro e o passado encontra-se no conto.................., de Arthur Clarke. Um religioso, membro de uma nave espacial de pesquisa que investiga restos de uma supernova, vˆ abalada sua f‚ ao identific -la como a estrela de Bel‚m, e ao perceber que a luminosidade daquele ponto no c‚u, orientando os Reis Magos, significou a morte de uma civiliza‡Æo extra-terrestre inteira.
1. O parsec ‚ uma unidade de medida astron“mica equivalente … distƒncia de .... anos-luz.
2. No entendimento de Muniz Sodr‚, em A Fic‡Æo do Tempo, a Fic‡Æo-Cient¡fica ‚ uma literatura que fala de causas situadas sempre no futuro real do leitor. Ou seja: embora no conto de H.G.Wells a a‡Æo transcorra no passado, tal a‡Æo s¢ foi poss¡vel gra‡as … existˆncia de uma m quina inexistente no presente real do leitor (ou do autor), e que se supäe poder existir no futuro real do leitor.
II. OS MUNDOS DA ARTE DE CONTAR A FIC€ÇO-CIENTÖFICA
1. Um Novo Curso
Compare os seguintes trechos, extra¡dos de obras cl ssicas da literatura de Fic‡Æo-Cient¡fica:
* O Rei das Estrelas (Edmond Hamilton)
*
* The Stars My Destination (Alfred Bester)
a. Tecnol¢gico
O texto de Hamilton concentra-se inteiramente na descri‡Æo de uma tecnologia desenvolvida pela humanidade do futuro. Muitos outros trechos do livro apresentam teor semelhante, ora minuciando inventos, ora retratando aspectos gerais dos mundos em que a hist¢ria ‚ ambientada. Esse tipo de abordagem corresponde ao que poder¡amos denominar o primeiro foco de aten‡Æo do gˆnero, que foi a preocupa‡Æo de mostrar novos contextos, e os fatores que levaram at‚ l .
b. Humano
O texto seguinte constitui exemplo de um segundo foco, centrado nas implica‡äes sociais e pol¡ticas do desenvolvimento descontrolado da tecnologia. Volta-se para a problem tica do homem, angustiado por pressäes de uma sociedade que se pauta por padräes r¡gidos de comportamento, o que por sua vez decorre do controle possibilitado pelos meios de informa‡Æo.
c. Comunicacional
No livro de Alfred Bester encontram-se passagens que apontam para um terceiro foco de aten‡Æo: a comunica‡Æo. Essa abordagem, ainda pouco desenvolvida, come‡a a surgir a partir da intensifica‡Æo de estudos e hip¢teses sobre vida extra-terrestre, atrav‚s da crescente edi‡Æo de livros sobre exobiologia.
Independentemente de qualquer especula‡Æo sobre as perspectivas que se antevejam para o £ltimo foco de aten‡Æo, quanto …s possibilidades de ganhar dimensäes compar veis …s das outras entre os autores e leitores de Fic‡Æo-Cient¡fica, ‚ oportuno fazer algumas considera‡äes sobre a tematiza‡Æo da comunica‡Æo no gˆnero.
O primeiro aspecto a abordar seria o fen“meno da comunica‡Æo, em si. O processo de comunica‡Æo envolve, no seu modelo mais simples, o emissor e o receptor de uma mensagem que ‚ veiculada atrav‚s de um canal de transmissÆo. A audi‡Æo radiof“nica de uma not¡cia pode ilustrar o processo, se identificarmos no locutor da not¡cia o emissor, no ouvinte o receptor, e no r dio o canal de transmissÆo.
H ainda o aspecto da inteligibilidade da mensagem: para que o seu significado seja apreendido, o c¢digo em que for elaborada deve ser conhecido e dominado pelo receptor. Al‚m disso, o contexto da mensagem pode influenciar a compreensÆo.A todas essas interferˆncias que podem alterar o sentido da mensagem original, denomina-se ru¡do, conceito que inclui ainda as influˆncias dos pr¢prios agentes f¡sicos de veicula‡Æo da informa‡Æo.
Se todos esses fatores ocorrem na comunica‡Æo entre seres da mesma esp‚cie, o que dizer da comunica‡Æo entre seres de esp‚cies diferentes? O n¡vel do ru¡do provavelmente aumentaria de modo consider vel. Podemos identificar, numa esquematiza‡Æo, os diversos pontos de virtual ocorrˆncia do ru¡do.
Caracter¡sticas
Destinador
Repert¢rio
------------------------------------------------------------
Contexto
Mensagem Enviada
C¢digo
------------------------------------------------------------
Emissor
Canal de Veicula‡Æo Transmissor
Receptor
------------------------------------------------------------
Contexto
Mensagem Recebida
C¢digo
------------------------------------------------------------
Caracter¡sticas
Destinat rio
Repert¢rio
O segundo aspecto diz respeito a uma conclusÆo que pode ser extra¡da dos exemplos que segue:
* O Homem Alado (A.E.van Vogt e E. Mayne Hull) T¡tulo original The Winged Man (1966). Lisboa, Portugal. Panorama. Ps. 33 a 38.
Encontraram o homem alado fazendo in£meros esbo‡os no bloco de Kenton.(...) Na primeira p gina havia um esquema sem d£vida nenhuma do Sol e dos trˆs primeiros planetas. O homem alado apontou para a Terra...(p.33)
A imagina‡Æo de Kenlon era incapaz de compreender, de aceitar como prov vel o aparecimento de um ser, um homem alado, vindo sem saber donde e em pleno s‚culo vinte.(...) Kenlon saiu de sua divaga‡Æo. O olhar demorou-se sobre um conjunto de sinais que tinham sido desenhados debaixo do sistema solar e para os quais o homem alado apontava:
I
II
III
IIII
IIIII
IIIIII
A criatura... apontou para o s¡mbolo isolado no v‚rtice; depois, indicou a Terra que estava por cima dele e come‡ou a andar lentamente com o dedo em redor do sol. Uma, duas, trˆs... nove vezes descreveu o c¡rculo e voltou a apontar para o s¡mbolo isolado na primeira linha de sinais.
Jones-Gordon disse curiosamente:
- Estar tentando dizer que aquilo representa nove anos?... ‚ uma maneira engra‡ada de representar. Por que nÆo h de aquilo representar dez e assim simplificaria tudo? O que est ele agora a fazer?
O homem alado apontava outra vez para o s¡mbolo isolado. Bateu com o dedo nele como se estivesse a contar: um, dois, trˆs... onze. Depois a criatura apontou para a linha de baixo.
- J percebi- afirmou Kenlon.- Onze vezes nove sÆo noventa e nove. Os dois s¡mbolos significam 99.
Parou pois o homem alado indicava novamente o primeiro sinal. Come‡ou a bater com o dedo. (...) Kenlon continuava a contar, seguindo os batimentos do dedo.(...) A contagem terminou em 111. Uma vez mais o homem alado indicou o s¡mbolo isolado e apontou para a terceira linha.
- Bem, 111 vezes 9- disse Kenton alto - ‚ igual a 999. O que quer dizer que a quarta linha ‚ 1111 vezes 9, ou seja, 9 999 anos e assim at‚ a £ltima linha sÆo 999 999 anos. uma maneira invulgar de contar mas deve ter qualquer princ¡pio matem tico v lido por detr s.
Tencionava fazer um coment rio mas o homem alado voltava a rodear o Sol rapidamente com o dedo. Por fim, agarrou a folha de papel, apagou as duas £ltimas linhas e acrescentou um segundo grupo de quatro … quarta linha e mais dois s¡mbolos adicionais. O ser apontou para aquela linha e depois para si.
Kenlon reteve a respira‡Æo de espanto. O que estaria a dizer? (...) Agarrou a folha e observou-a. Mostrava:
I
II
III
IIII IIII II (2 vezes 9999 + 0,5 vez 9999= 24997,5)
- Vinte e cinco mil anos- Kenlon ouviu-se a si pr¢prio dizer numa voz ciciada.- Parece-me que com isto est a tentar dizer-nos que avan‡amos no futuro vinte e cinco mil anos.
Depois de um momento de perplexidade, Kenlou reparou que no rosto de Jones-Gordon havia uma certa irrita‡Æo. O comandante fez um gesto que o revelou completamente.
- mais que evidente que nÆo chegaremos a qualquer lugar com esta tentativa de comunica‡Æo.(...) Vocˆ ‚ o poliglota da nossa tripula‡Æo, tenente. Quero que nos momentos vagos aprenda a l¡ngua dele e lhe ensine a nossa.
P. 47 a 51
Kenlon depressa concluiu que era uma l¡ngua dif¡cil de entender e o homem alado, segundo tamb‚m dava a entender, parecia ter a mesma dificuldade com o inglˆs. Palavras vulgares como mÆo, p‚, asa, pronunciadas pela criatura, eram quase incompreens¡veis. E aos esfor‡os ingentes de Kenton para imitar os sons mel¢dicos do homem alado este respondia sempre abanando desconsoladoramente a cabe‡a.
Pelo que Kenlon descobrira, o ser alado pronunciava o r como o a de pai. S¢ que o som sa¡a com a dureza das consoantes. Dificuldade idˆntica tinha com a maior parte das outras letras.
Kenlon verificou, por‚m, que a ansiedade de ambos, o desejo de se entenderem era m£tuo e, no final da quarta semana, j conseguiam escrever muitas palavras com certa facilidade, embora quanto … pron£ncia nÆo houvesse tantos progressos.(...) Durante uma semana inteira, tendo como base o escasso vocabul rio que aprendera com o homem alado e influenciado pelas mensagens que a criatura persistentemente lhe tentara transmitir quer na linguagem falada quer na escrita, idealizou algumas perguntas.
Dividira-as em duas partes. Entregou-lhe a primeira metade e depois sentou-se, observando o rosto atento do homem alado enquanto escrevia, tal como haviam combinado, a resposta a cada pergunta, primeiro em inglˆs e depois, bem, na sua l¡ngua.(...)
O comandante principiou a ler. Quando terminou... entregou a folha a Kenton, que leu:
P.- Estamos na Terra?
R.- Sim.
P.- Ser assim a Terra no nosso futuro?
R.- Sim.
P.- Quantos anos avan‡amos n¢s no tempo?
R.- 24 999.
P.- Estamos no mesmo oceano?
R.- Sim.
P.- Quantos oceanos h agora na Terra?
R.- Existem s¢ trˆs grandes continentes. O resto ‚ mar.
P.- Quantos continentes?
R.- Veja acima.
P.- Por que a terra ‚ tÆo mole?
R.- Subitamente tornou-se mole. Ningu‚m sabe porquˆ.
P.- H quanto tempo aconteceu este desastre?
R.- 3 999 anos.
P.- H alguma terra dura?
R.- S¢ a nossa ilha no c‚u.
- NÆo h muito para dizer. Ou as respostas falam por si ou entÆo estamos todos malucos. Um fato curioso ‚ o sistema de numera‡Æo. Em vez de dizer aproximadamente 25 000 anos, ele diz 24 999. Parece parvo¡ce mas est claro que os homens alados utilizam o nove como n¢s o zero.
- De certo modo, ‚ um ponto extremamente convincente. esquisito, um conceito genuinamente estranho, no entanto, invulgarmente l¢gico. Se pensarmos bem, nove ‚ um n£mero como o dez. Talvez eles tenham descoberto aplica‡äes matem ticas para o nove das quais nÆo tenhamos conhecimento.
- NÆo vou deter-me nesse ponto. De momento, tudo o que sei acerca do n£mero ‚ que pode ser utilizado para verificar os resultados de problemas de adi‡Æo, subtra‡Æo, multiplica‡Æo e divisÆo.
* O Rei das Estrelas (Edmond Hamilton)
* Espa‡o sem Tempo (Gerald Izaguirre)
O que se constata a¡ ‚ que o autor procura poupar ao leitor o trabalho de decodificar a mensagem, introduzindo artif¡cios que variam da transmissÆo telep tica … m quina de traduzir. evidente que esses recursos sÆo utilizados para evitar passagem que retardariam alcan‡ar o ponto principal da hist¢ria, acarretando quebra de ritmo … narrativa. Para se introduzir preocupa‡Æo com a comunica‡Æo, o tema deve estar praticamente centrado na pr¢pria comunica‡Æo, ou desenvolver outro tema em contraponto.
Para entendermos de forma mais estruturada o mecanismo desse art¡ficio, ‚ importante reter que, no processo da comunica‡Æo, a mensagem ‚ toda elaborada a partir de signos que se referem a objetos, reais ou imagin rios. O significado s¢ ‚ atingido pelo conhecimento das rela‡äes convencionadas entre o signo e o objeto.
Em Edmond Hamilton, pressupäe-se uma troca direta de significados atrav‚s de ondas do pensamento, mas nada se diz da natureza dessas ondas, qual a sua forma ou natureza. Para Izaguirre, a comunica‡Æo telep tica ‚ especificada em termos de quadros mentais, ou seja, transmissÆo direta de imagens dos objetos. Estes deveriam ter sido mentalizados em situa‡Æo de uso e vivˆncia, sem o que o significado nÆo ficaria claro, salvo se o receptor tivesse conhecimento pr‚vio do objeto, ou deduzisse o seu significado por analogia com objetos do seu mundo.
Apesar de v lidas, tais solu‡äes nÆo deixam de constituir uma forma de contornar o ponto cr¡tico da contato entre civiliza‡äes espaciais: o da comunica‡Æo. O astr“nomo Carl Sagan afirma que ‚ utopia pensar em telepatia como meio de comunica‡Æo entre essas civiliza‡äes, e diz acreditar que o contato dever ocorrer por sinais1.
1. SAGAN, Carl. Dragäes do den.
O terceiro aspecto consiste em especula‡äes sobre a oportunidade de se aprofundar a tem tica da comunica‡Æo na Fic‡Æo-Cient¡fica. Em que medida isso pode descortinar novas possibilidades para o gˆnero.
Reportando-nos … divisÆo da Fic‡Æo-Cient¡fica por focos de aten‡Æo, assinalamos a hip¢tese de que a mudan‡a de foco parecer corresponder a est gios de evolu‡Æo do gˆnero. Consolidada a credibilidade quanto …s inven‡äes e fa‡anhas idealizadas (submarinos, foguetes, viagens … Lua) passou-se a enfatizar as implica‡äes psicol¢gicas e sociais da nova sociedade, pintando-se situa‡äes que cada vez mais vÆo se configurando como possibilidades bastante previs¡veis da hist¢ria humana. Chega-se agora a um interesse generalizado sobre assuntos que envolvem contatos com extra-terrestres.
Imaginar novos mundos, simplesmente, novas civiliza‡äes, seria repetir exemplos do passado. Mas incluir o aspecto da comunica‡Æo nesse contexto, parece realmente um caminho mais coerente com a linha seguida at‚ agora pelos grandes autores: o desafio … imagina‡Æo.
Com isso o gˆnero s¢ ganharia, nÆo apenas em termos da nova abordagem como da prov vel inclusÆo de recursos de outras reas art¡sticas. Exemplo elementar dessa possibilidade pode ser o filme Contatos Imediatos de Terceiro Grau (Close Encounters), de Steven Spielberg, em que a m£sica, associada a combina‡äes de cores e mesmo traduzida em sistema de sinais manuais (a manossolfa de Zolt n Kod ly), ‚ um dos elementos b sicos da comunica‡Æo.
O leitor seria introduzido em novos ambientes lingu¡sticos, e a linguagem art¡stica contemporƒnea, normalmente caracterizada por (ou associada a) um hermetismo impenetr vel ao apreciador comum, poderia constituir um elemento l£dico no contexto das hist¢rias.
Afinal, a Fic‡Æo-Cient¡fica carrega o paradoxo de ser "a arte que fala do futuro na linguagem do passado".
Pode parecer estranho, … primeira vista, que Brian W. Aldiss tenha considerado O Ano Passado em Marienbad (L'Ann‚e DerniŠre … Marienbad), de Alain Resnais, um filme de Fic‡Æo-Cient¡fica. Para entendˆ-la, ‚ preciso ir al‚m dos padräes estereotipados do gˆnero, e aprofundar aspectos conceituais.
O que ‚ Fic‡Æo-Cient¡fica? Qual a sua caracter¡stica fundamental?
A partir das conclusäes de Muniz Sodr‚x, podemos definir o gˆnero em fun‡Æo de dois elementos condicionantes:
a) o componente cient¡fico, que confere verossimilhan‡a … hist¢ria; e
b) a virtualidade futura desse componente em rela‡Æo ao momento em que a hist¢ria foi criada.
O componente cient¡fico ser sempre algo inexistente no momento presente da cria‡Æo da hist¢ria, mas que poder existir no futuro, seja muito, pouco ou remotamente prov vel essa possibilidade. Assim o contato com seres alien¡genas s¢ ‚ Fic‡Æo-Cient¡fica porque nÆo se verificou ainda na realidade ou, se j aconteceu, a veracidade do acontecimento nÆo apresenta comprova‡Æo cient¡fica que lhe confira aceita‡Æo plena. Uma viagem ao passado (ou ao futuro) numa m quina do tempo ‚ Fic‡Æo-Cient¡fica porque a referida m quina nÆo existe e, por maior absurdo cient¡fico que possa significar, faz parte do imagin rio da humanidade.
J uma viagem … Lua, por si s¢, nÆo reuniria hoje elementos para poder, numa an lise racional, ser considerada Fic‡Æo-Cient¡fica. Por outro lado, uma hist¢ria que conte uma versÆo diferente da vida de Cle¢patra, por exemplo, poder ser considerada obra do gˆnero, desde que parta de uma base fict¡cia com fundamenta‡Æo cient¡fica plaus¡vel.
O exemplo cl ssico de "O Homem do Castelo Alto", de Philip K. Dick (o p¢s-Guerra com Hitler vencedor), ‚ uma variante dessa £ltima possibilidade, com a caracter¡stica de pressupor os fatos acontecendo em um universo paralelo. Se nÆo houvesse essa premissa, nÆo ter¡amos Fic‡Æo-Cient¡fica e sim uma Fantasia.
E "O Ano Passado em Marienbad" re£ne os dois elementos condicionantes de uma hist¢ria de Fic‡Æo-Cient¡fica. A resposta ‚ nÆo. O filme apenas desenvolve um dos temas preferidos do gˆnero - o tempo - de modo bastante original. NÆo oferece qualquer referˆncia segura e inequ¡voca se a a‡Æo se passa no passado, no presente ou no futuro, al‚m de suscitar d£vidas se a a‡Æo ‚ real ou est sendo imaginada pela personagem. O cen rio, fugindo aos padräes visuais t¡picos do gˆnero, ‚ uma mansÆo (um hotel?) onde as pessoas convivem em trajes de gala. NÆo se faz men‡Æo a elementos de ordem cient¡fica e o cen rio nada induz nesse sentido.
A classifica‡Æo de tal filme no gˆnero Fic‡Æo-Cient¡fica deve ser creditada, assim, a uma opiniÆo de cunho marcadamente subjetiva. Ainda que se considere ter sido o roteiro inspirado no romance "A M quina Fant stica" (La Invenci¢n de Morel), de Adolfo Bioy Casares, um romance com toques de Fic‡Æo-Cient¡fica; ou que o cineasta Alain Resnais viria a realizar, em 1967, o filme "Je t'aime, je t'aime", que explora a tem tica do tempo sob uma perspectiva do gˆnero; ‚ dif¡cil aceitar objetivamente essa classifica‡Æo.
Esses, entretanto, sÆo elementos muito fr geis para desqualificar inteiramente a afirmativa de Aldiss. importante considerar outros fatores para uma an lise mais completa, como por exemplo o contexto hist¢rico em que foi feita a afirmativa.
Na ‚poca, a Fic‡Æo-Cient¡fica em geral desenvolvia seus enredos sobre moldes lingu¡sticos bastante lineares, e dentro de ambienta‡äes estereotipadas: salvo raras exce‡äes, o padrÆo era a hist¢ria da viagem espacial contada cronologicamente. "O Ano Passado em Marienbad", embora nÆo circunscrito ao mundo da Fic‡Æo-Cient¡fica, abordava um de seus temas mais fascinantes (o tempo) de maneira surpreendente. Uma observa‡Æo cr¡tica aguda poderia facilmente constatar o paradoxo de um filme nÆo caracter¡stico da gˆnero de antecipa‡Æo tratar aquele tema com uma linguagem incrivelmente mais avan‡ada que a utilizada pela pr¢pria literatura de antecipa‡Æo. Ou seja: o contraste da literatura de antecipa‡Æo do conte£do que nÆo se preocupa com a antecipa‡Æo da forma.
O que Aldiss poderia ter pretendido talvez fosse alertar para o paradoxo, bem como para a possibilidade - aberta pelo filme - de se construir hist¢rias com ambienta‡äes bastante diversas dos padräes vigentes. Em entrevista posterior, entretanto, o escritor disfez essa interpreta‡Æo ao declarar que abominava a pretensÆo liter ria da fic‡Æo tradicional.
Efetivamente, com o surgimento da Nova Onda (New Wave), passou-se a procurar novos meios de expressÆo, absorvendo as conquistas liter rias da fic‡Æo tradicional.
POESIA
Entretanto, um importante campo da expressÆo liter ria - a poesia - nunca foi seriamente considerado como adequado … abordagem dos temas da Fic‡Æo-Cient¡fica. Das argumenta‡äes que procuram justificar essa postura, a mais comum diz respeito ao aspecto descritivo necess rio … fic‡Æo, que implica um realismo dif¡cil de obter na poesia, mais apropriada … expressÆo interiorizada.
NÆo obstante, contam-se em grande escala os casos de poesia no campo da Fic‡Æo-Cient¡fica, e nÆo apenas em termos atuais. J em 1842, .......... produzia estes versos:
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Um dos nomes brasileiros mais conhecidos no gˆnero, Andr‚ Carneiro, tamb‚m criou muitos poemas de Fic‡Æo-Cient¡fica, como
...................
A revista Isaac Asimov Science Fiction Magazine publica regularmente trabalhos po‚ticos. Estes, contudo, apenas refor‡am o argumento da inadequa‡Æo da poesia para o gˆnero, por dois motivos: nÆo trazem o fator b sico da fic‡Æo (o enredo, ou o desenvolvimento de personagens) e teimam em se expressar atrav‚s dos moldes can“nicos da poesia.
Como desenvolver uma fic‡Æo po‚tica adequada ao gˆnero?
A primeira questÆo a debater ‚ a exata compreensÆo da arte po‚tica, cuja concep‡Æo continua bastante arraigada … escritura versificada. Tal concep‡Æo nÆo corresponde … realidade da produ‡Æo po‚tica contemporƒnea, para nÆo remontarmos a experiˆncias que j completaram mais de um s‚culo.
Entre os v rios recursos que alargam a no‡Æo po‚tica tradicional para al‚m do verso est a representa‡Æo gr fica de objetos. Isso se encontra em textos milenares, como ‚ o caso do Ovo, de S¡mias de Rhodes.
Ovo (S¡mias de Rhodes)
Contemporaneamente essa valoriza‡Æo do espa‡o gr fico ocupado pelo poema teve em Stephane Mallarm‚ ( - ) um de seus precursores, principalmente ap¢s a publica‡Æo, em ...., do longo poema Um Lance de Dados (Un Coup des D‚s), do qual reproduzimos um pequeno trecho:
Um Lance de Dados (Mallarm‚)
Com esse tipo de poesia, que no Brasil daria origem … poesia concreta, o uso dos recursos formais ampliou-se de tal forma que prescindiu (sem eliminar) o verso como elemento definidor de poesia.
Roman Jakobson, ao catalogar as diversas fun‡äes da linguagem, denominou de fun‡Æo po‚tica o uso da linguagem cujo principal foco de aten‡Æo ‚ a pr¢pria linguagem. A partir desse conceito, muito mais apropriado ao est gio atual das letras, podemos concluir que poesia nÆo significa apenas escrever em verso, e sim um conjunto de caracter¡sticas que identificam o foco de aten‡Æo da mensagem. A sua exterioriza‡Æo pode ser tanto cursiva como versificada. O texto abaixo do livro Mar Morto, de Jorge Amado, ilustra como um texto em prosa aparenta alta carga po‚tica:
Mar Morto, de Jorge Amado
Ou ainda o Finnegans Wake, de James Joyce:
Finnegans Wake, de Joyce
No Brasil, temos a produ‡Æo da poesia concreta e de outras correntes po‚ticas, como o poema-processo:
Exemplo
Portanto, antes de mais nada ‚ preciso superar o restrito conceito vigente de poesia, entre os autores de Fic‡Æo-Cient¡fica.
O primeiro aspecto formal que parece ser explorado diz respeito … extensÆo da obra. Escrever pe‡as curtas (sonetos ou mesmo um poema mais alongado) corresponde a escrever algo parecido com o conto de Fic‡Æo-Cient¡fica e, portanto, nÆo realiza o trabalho de longo f“lego necess rio para provar a consistˆncia da fic‡Æo po‚tica nesse campo.
Na literatura tradicional sÆo abundantes os livros ‚picos em poesia: A Odiss‚ia, Os Lus¡adas, a Divina Com‚dia. Pergunta-se, entÆo, por que nÆo um trabalho correspondente de Fic‡Æo-Cient¡fica?
MéSICA
A natureza altamente abstrata do signo musical nÆo lhe permite contar uma hist¢ria. A m£sica funciona usualmente como suporte emocional da narrativa, pontuando e intensificando situa‡äes no cinema, no teatro, na ¢pera. Apesar dessa dificuldade natural, tentativas de desenvolver uma linguagem musical que lograsse por si s¢ retratar o mundo exterior chegaram a produzir fases importantes na Hist¢ria da M£sica.
A m£sica descritiva ‚ uma delas, e fundamenta-se basicamente na imita‡Æo dos sons da vida real, da natureza, das coisas, das pessoas. Talvez os primeiros sons a serem imitados tenham sido os cantos dos p ssaros. O cƒnon Sumer is icumem in (O verÆo est chegando), do S‚culo XIII, apresenta um motivo constante na pe‡a inteira, que ‚ a reprodu‡Æo do intervalo musical entoado pelo cuco.
Sumer is icumen in
Certas pe‡as escritas para flauta, dessa ‚poca, imitam os gorjeios do rouxinol, com em...........
Na Renascen‡a, o compositor francˆs Clemment Jannequin criou in£meras can‡äes a partir desse recurso. Vejam os nomes dessas obras: O Canto dos P ssaros (Le chant des oiseaux)...
Tamb‚m Adriano Banchieri comp“s um interessante Contrappunto Bestiale alla Mente:
Contrappunto
A esse tipo de imita‡Æo podemos chamar onomatopaica, pois visa reproduzir sons da natureza atrav‚s de aproxima‡äes ac£sticas. Existem exemplos de imita‡Æo de uma infinidade de sons: o marulhar das guas, o sopro do vento, o farfalhar das folhas, e da¡ por diante.
Clemment Jannequin comp“s ainda muitas m£sicas que procuram imitar sons provocados pelo homem, como Os Pregäes de Paris (Les Cris de Paris), que joga com a sobreposi‡Æo das vozes criando um ambiente de feira.
Les Cris de Paris
Mais recentemente, j no per¡odo romƒntico, esse prop¢sito de descrever coisas e fatos da vida evoluiu para o que se conhece como "m£sica program tica", em que o compositor busca evocar no ouvinte imagens visuais de um ambiente, por exemplo.
* O Homem Alado (A.E.van Vogt e E. Mayne Hull) T¡tulo original The Winged Man (1966). Lisboa, Portugal. Panorama. Ps. 148 e 149.
Foram as mulheres que principiaram o cƒntico. As vozes ergueram-se suavemente no silˆncio, hesitante, primeiro uma, e depois as outras e, seguindo como que uma deixa secreta, formaram um coro que foi aumentando gradualmente.
Claras como gua duma nascente as vozes percorreram todas as notas de uma can‡Æo. Logo aos primeiros sons se ficava com a id‚ia de que era indescritivelmente melodiosa. Um mundo de tristeza e ao mesmo tempo de alegria vibrava nos seus tons e semitons.
Os homens repetiram as mesmas palavras e Kenlon reparou que agora todo o grupo cantava e voava em conjunto.
Aquela can‡Æo mais parecia a essˆncia da m£sica de uma ra‡a antiga e nobre que deveria ter sido atingida por uma trag‚dia. Passado algum tempo conseguiu perceber as palavras, se bem que s¢ conseguisse apanhar partes: tal como a m£sica, as palavras nÆo tinham rima nem metro e nem sequer pareciam estar divididas em versos.
N¢s somos alados.
Cantamos as gl¢rias antigas e de um novo mundo que h de surgir
Quando a gua desaparecer e houver novamente terra.
Onde possamos apoiar os nossos p‚s cansados.
Durante 999 de trˆs-uns aliment mos sempre f‚ no destino.
Tivemos filhos para continuar a ra‡a humana.
Os filhos dos nossos filhos tiveram filhos.
Vivemos sempre segundo as ordens do Conselho.
Agora somos amea‡ados.
Os homens do mar invejam as nossas asas.
Pretendem afogar-nos;
NÆo possuimos mat‚ria-prima para as construir.
S¢ temos o Conselho que nos diz para sermos corajosos.
E para continuarmos com f‚ e... esperan‡a no futuro.
Mas estamos preocupados; sentimos que h necessidade de agir em for‡a.
Durante 999 de trˆs-uns, … espera, contando os minutos de nossa vida parada at‚ a Terra ser outra vez um para¡so verdejante.
EntÆo poremos de parte as nossas asas.
E iremos trabalhar.
Ser dif¡cil, pois somos homens alados.
Era um hino … Primeira Causa do Infinito, meio apelo saudoso, meio hino de gra‡as pelas alegrias da vida. A can‡Æo morreu como come‡ara, gradualmente at‚ que s¢ uma voz feminina l¡mpida como o cristal sustentou uma nota que desapareceu no silˆncio.
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