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Luz Mediterrânea (1979)


Luz Mediterrânea (1979) estreou em 06/10/1979, no grande auditório do MASP - Museu de Arte de São Paulo, como peça integrante do concerto CANCRIZANS, do Madrigal Ars Viva.


O programa foi reprisado somente uma vez, no dia /06/1980, no Teatro Municipal Brás Cubas, em Santos.


Seguindo a concepção do concerto, a peça foi apresentada de modo fragmentado: a primeira parte na abertura do concerto, e a segunda parte no encerramento do concerto.


O registro sonoro a seguir é da apresentação no MASP.





Luz_Mediterranea_1979
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Luz Mediterrânea, escrita em 1979, obedece à mesma estrutura da peça homônima do ano anterior - Luz Mediterrânea (1978) - mantendo basicamente os mesmos elementos temáticos (e incorporando alguns novos), explorados agora com mais detalhes e nuanças.


Tal estrutura tem como formas referenciais a figura literária do palíndromo (palavra ou frase que tem o mesmo sentido se lida, letra a letra, da esquerda para a direita ou vice-versa) e a figura musical do cancrizans (sequência temática ou melódica construída pela escrita reversa de outra, isto é, começando pela última e terminando pela primeira nota da sequência original).

O propósito, entretanto, era desenvolver esse jogo de inversões de modo menos estrito e rígido. De um jeito que comportasse a ocorrência de distorções e imperfeições, como se um espectador olhasse imagens distorcidas na água de um lago, ou tivesse lembranças imprecisas ou parciais de momentos passados, recentes ou remotos.


A ideia teve origem numa ficção que estava sendo escrita à época, e que depois resultaria no livro No Olvido do Tempo / No Ouvido do Tempo (1984). A trama, narrada sob forma poética, reúne dois personagens (um real, o poeta Raul de Leoni, autor do livro Luz Mediterrânea, de publicação póstuma, e um imaginário, Leônidas Ramos) que se encontram no momento em que o universo (numa das concepções teóricas do big bang) atinge o auge de sua expansão e começa a se contrair. No encontro, ambos procuram resgatar memórias e percepções do passado e do futuro, tentando recuperar, nas vivências de cada um e do outro, detalhes esquecidos ou obnubilados.


A estrutura da peça, bem como a inserção de distorções ao longo do eixo da inversão, pode ser sugerida pelo texto e pela disposição gráfica das palavras no poema homônimo, que consta da capa na edição manuscrita da partitura.




As relações estruturais do poema em que foi baseada a composição musical podem ser apresentadas esquematicamente e comentadas numa segmentação das duas frases perpendiculares que se cruzam na palavra “reviver”, comum a ambas as frases e que constitui o centro de cada uma.


Essa disposição espacial resulta graficamente algo semelhante a coordenadas cartesianas, no que é reforçada pelas características de que as duas frases são palíndromos, isto é, podem ser lidas tanto no sentido usual como no sentido contrário (analogia com eixos negativos e positivos das coordenadas).


Frase vertical – “a una reta azul a reviver a luz à terra nua”


O palíndromo implica retrogradação no plano morfológico (sendo aí realizado literalmente) e invariabilidade no plano semântico (o sentido permanece). Na frase, a retrogradação (morfológica e semântica) é perfeita na palavra central (reviver), mas a morfologia vai se tornando imperfeita do meio para os extremos, através de uma composição imperfeita das palavras. A disposição a seguir permite perceber como isso ocorre:



Frase horizontal – “no longínquo absorto e em cismas imerso, num espaço quedo medro a reviver a ordem do que faço, um inverso de rimas perdidas na distância”


Numa visualização esquemática da diluição do sentido do palíndromo nessa frase, ela é decomposta a seguir também em duas partes, que apresentam, segmento por segmento (com exceção do eixo central, a palavra “reviver”), características gradativamente menos conformes à configuração perfeita do palíndromo.


Ocorre assim, em relação às ligeiras imperfeições do palíndromo da frase vertical, um forte afastamento (distorção) do significado próprio do palíndromo.


A vinculação do poema com uma ficção em curso na época (que resultaria no livro No Olvido do Tempo / No Ouvido do Tempo) está na caracterização dessa estrutura como um procedimento que procurar reforçar formalmente a ideia (semântica) que as frases expressam: o poeta, com o pensamento ausente do mundo atual, busca lembrar fatos passados há muito e praticamente esquecidos. No centro dessa busca (no centro da frase, correspondendo ao ponto de origem das coordenadas cartesianas) está a luz que possibilitará preencher esses vazios (“terra nua”, que de certo modo remete ao conceito de tabula rasa) do pensamento.


Essa luz mediterrânea, entendido “mediterrânea” no sentido etimológico da palavra (“entre terras”), pode ser associada a um marco delimitador de realidades: a velocidade da luz, momento “entre mundos”. Conjugada ao palíndromo, pode remeter à noção de realidades reflexas ou, numa visão temporal, de realidades futuras como reflexos distorcidos (deflexões) de situações passadas.

O poeta procuraria então antever o futuro através das recordações do passado (considerando que aquele seria uma projeção deste) no momento presente. Junção que se associa a palavras do próprio título do livro citado (olvido e ouvido).





















Composição para coro e instrumentos, escrita na mesma estrutura de Luz Mediterrânea (1978).



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